sexta-feira, 24 de abril de 2015

TAMBÉM ACONTECE NA CRIAÇÃO DE GALOS COMBATENTES?

O prédio da administração do Jockey Club de São Paulo tem entrada da rua pelas laterais, de um lado a rua e do outro um jardim, do qual do outro lado estão muitos grupos de cocheiras. Em uma manhã, fui ao 1º andar do prédio para qualquer providência junto à Comissão de Corridas (eu ainda não era Diretor do Clube), e passando pelo corredor vi em uma porta aberta o benemérito Hernani Azevedo Silva, que ainda não tinha sido Presidente do JCSP, sentado em uma lateral de extensa mesa de reuniões, tendo ao seu lado Dino Zanetti, então funcionário número um do Stud Book Paulista. Hernani me chamou e pediu para que eu me sentasse. Ele estava selecionando as éguas que haviam sido inscritas para os garanhões do Posto Agropecuário, o Posto de Monta de Campinas. Os garanhões do Posto tinham bom padrão, e os preços não eram comerciais, eram menores do que deveriam, o objetivo era facilitar aos criadores coberturas mais interessantes por preços mais acessíveis. Hernani tinha que selecionar 40 éguas interessadas por garanhão. Naquela época, como preconizava o especial José Paulino Nogueira, no primeiro ano de coberturas o limite deveria ser 10 éguas, no segundo 20, e do terceiro em diante um limite de 40. Esse era o conceito da época. Muitos pedigrees estavam sendo examinados, e naquele momento o Hernani já havia selecionado 39 para o mais pretendido, Coaraze. A última vaga estaria entre duas interessadas de teóricas possibilidades semelhantes. Hernani não me disse os nomes das duas éguas, disse o nome do pai, da mãe, do avô materno e alguma coisa sobre a linha feminina, e pediu a minha opinião. Eu optei por uma égua que foi identificada como Passion, do Haras São Quirino. Passion foi a número 40, e a outra a número um de uma pequena relação de suplentes, já que o veterinário chefe do Posto, o Dr. Ulrich Ralph Reiner, com a lista das éguas, ia verificá-las pessoalmente, para aprovação ou eliminação sob o ponto de vista clínico veterinário. A cobertura de Coaraze e Passion resultou em um dos bons filhos clássicos do francês, que na verdade foi um marco na criação brasileira. O potro chamou-se Viziane, era um alazão de porte médio, muito bom ganhador clássico, inclusive do GP Brasil e GP São Paulo. Um detalhe muito curioso deu-se quando do nascimento de Viziane. Na placenta, veio também um projeto de outro potro, um feto em início de formação, e que não havia se desenvolvido, ficara petrificado. Se o feto houvesse se desenvolvido, seria o caso de uma gestação gemelar. Mas isso não aconteceu.

Mais ou menos na mesma época, eu jantava no Haras Bela Esperança, quando o mais técnico de todos os criadores brasileiros de todos os tempos, José Paulino Nogueira, me perguntou se eu me dava bem com o “italiano”. Ele referia-se a Icílio Forelli, que com o irmão Manlio tinha o bom Haras Patente, que ficava distante uns 20Km do haras dele. Eu disse que sim, eu me dava muito bem com o Icílio e o irmão dele, era amigo dos filhos deles, respectivamente Túlio e Sergio. O Dr. Paulino então me solicitou que eu falasse com Icílio, ele pretendia uma cobertura do garanhão Xaveco, um ótimo filho de Sayani em excelente linha materna. Naquela época cada haras tinha os seus próprios garanhões, ninguém dava, vendia, comprava ou trocava coberturas. Poucos dias depois eu me encontrei nas corridas de Cidade Jardim com o “italiano” e disse da pretensão do Dr. Paulino. Ele imediatamente concordou, e com prazer cedeu de graça à cobertura, ele iria avisar ao administrador do Haras, que o Dr. Paulino mandaria a égua sem custos. A égua enviada foi Vera Cruz. Nasceu uma forte potranca. José Paulino vendia toda a sua produção, e a potranca teve a sorte de ir para as mãos de um dos melhores proprietários da época, Atíllio Irulegui, habitual importador de cavalos e éguas da Argentina, com enorme sucesso nas pistas brasileiras. A potranca, sempre montada pelo excelente jóquei Clovis Dutra, apesar de trabalhar para ganhar, sempre decepcionava. Muitos anos depois o Clovis me contou como aquela potranca mostrou suas qualidades. Ele me disse que normalmente naquela época o normal era correr perto e atropelar na reta, mas a potranca perdia a ação no final. Um dia, no pulo de partida, a potranca tropeçou, quase caiu, e perdeu o contato com os outros. Nada a fazer, senão seguir de galope apenas para terminar o percurso. A potranca galopava ao natural e surpreendentemente aos poucos a diferença para o pelotão diminuía. O Clovis se animou, e resolveu tentar uma atropelada em princípio impossível. Exigida para uma atropelada na reta, a potranca ultrapassou todas as competidoras, em uma excelente atuação, vencendo com firmeza e autoridade. Foi assim a primeira vitória da grande ganhadora clássica Elamiur. Daí para frente, sempre em último sem pressa, e atropelando na reta final, Elamiur foi uma das melhores, talvez a melhor de sua época. Entre os seus ótimos resultados está o GP Diana, consagrando-a a melhor potranca do ano, e o Derby, ganhando dos machos, os melhores de 3 anos da geração.


Anos depois, dois proprietários cariocas, sabendo que o expert Gilberto Solanes ia a São Paulo, pediram para que ele fosse ao Haras São Quirino ver um potro que eles queriam comprar, ou já haviam comprado. Quando Gilberto chegou ao Haras, os potros estavam soltos em um lindo piquete, e dois empregados foram lá tocar os potros para perto, afim de, encocheirados, poderem ser examinados. Os potros vieram correndo alegremente, formando um grupo, e apenas um deles vinha galopando atrás do grupo. Gilberto disse ao encarregado que ele não precisava mostrar aquele último, que não interessava. Não seria preciso dizer que o tal “preguiçoso” era o filho de Viziane e Elamiur. A informação de Gilberto Solanes aos dois proprietários cariocas naturalmente foi desfavorável, Gilberto não gostou daquele potro. Eu não sei se aqueles dois proprietários compraram aquele potro, o que eu sei é que ele corria muito pouco, era muito ruim.