TAMBÉM ACONTECE NA CRIAÇÃO DE GALOS COMBATENTES?
O prédio da administração do Jockey Club de São Paulo
tem entrada da rua pelas laterais, de um lado a rua e do outro um
jardim, do qual do outro lado estão muitos grupos de cocheiras. Em uma
manhã, fui ao 1º andar do prédio para qualquer providência junto à
Comissão de Corridas (eu ainda não era Diretor do Clube), e passando
pelo corredor vi em uma porta aberta o benemérito Hernani Azevedo
Silva, que ainda não tinha sido Presidente do JCSP, sentado em uma
lateral de extensa mesa de reuniões, tendo ao seu lado Dino Zanetti,
então funcionário número um do Stud Book Paulista. Hernani me chamou e
pediu para que eu me sentasse. Ele estava selecionando as éguas que
haviam sido inscritas para os garanhões do Posto Agropecuário, o Posto
de Monta de Campinas. Os garanhões do Posto tinham bom padrão, e os
preços não eram comerciais, eram menores do que deveriam, o objetivo
era facilitar aos criadores coberturas mais interessantes por preços
mais acessíveis. Hernani tinha que selecionar 40 éguas interessadas por
garanhão. Naquela época, como preconizava o especial José Paulino
Nogueira, no primeiro ano de coberturas o limite deveria ser 10 éguas,
no segundo 20, e do terceiro em diante um limite de 40. Esse era o
conceito da época. Muitos pedigrees estavam sendo examinados, e naquele
momento o Hernani já havia selecionado 39 para o mais pretendido,
Coaraze. A última vaga estaria entre duas interessadas de teóricas
possibilidades semelhantes. Hernani não me disse os nomes das duas
éguas, disse o nome do pai, da mãe, do avô materno e alguma coisa sobre
a linha feminina, e pediu a minha opinião. Eu optei por uma égua que
foi identificada como Passion, do Haras São Quirino. Passion foi a
número 40, e a outra a número um de uma pequena relação de suplentes, já
que o veterinário chefe do Posto, o Dr. Ulrich Ralph Reiner, com a
lista das éguas, ia verificá-las pessoalmente, para aprovação ou
eliminação sob o ponto de vista clínico veterinário. A cobertura de
Coaraze e Passion resultou em um dos bons filhos clássicos do francês,
que na verdade foi um marco na criação brasileira. O potro chamou-se
Viziane, era um alazão de porte médio, muito bom ganhador clássico,
inclusive do GP Brasil e GP São Paulo. Um detalhe muito curioso deu-se
quando do nascimento de Viziane. Na placenta, veio também um projeto de
outro potro, um feto em início de formação, e que não havia se
desenvolvido, ficara petrificado. Se o feto houvesse se desenvolvido,
seria o caso de uma gestação gemelar. Mas isso não aconteceu.
Mais ou menos na mesma época, eu jantava no Haras Bela
Esperança, quando o mais técnico de todos os criadores brasileiros de
todos os tempos, José Paulino Nogueira, me perguntou se eu me dava bem
com o “italiano”. Ele referia-se a Icílio Forelli, que com o irmão
Manlio tinha o bom Haras Patente, que ficava distante uns 20Km do haras
dele. Eu disse que sim, eu me dava muito bem com o Icílio e o irmão
dele, era amigo dos filhos deles, respectivamente Túlio e Sergio. O Dr.
Paulino então me solicitou que eu falasse com Icílio, ele pretendia
uma cobertura do garanhão Xaveco, um ótimo filho de Sayani em excelente
linha materna. Naquela época cada haras tinha os seus próprios
garanhões, ninguém dava, vendia, comprava ou trocava coberturas. Poucos
dias depois eu me encontrei nas corridas de Cidade Jardim com o
“italiano” e disse da pretensão do Dr. Paulino. Ele imediatamente
concordou, e com prazer cedeu de graça à cobertura, ele iria avisar ao
administrador do Haras, que o Dr. Paulino mandaria a égua sem custos. A
égua enviada foi Vera Cruz. Nasceu uma forte potranca. José Paulino
vendia toda a sua produção, e a potranca teve a sorte de ir para as
mãos de um dos melhores proprietários da época, Atíllio Irulegui,
habitual importador de cavalos e éguas da Argentina, com enorme sucesso
nas pistas brasileiras. A potranca, sempre montada pelo excelente
jóquei Clovis Dutra, apesar de trabalhar para ganhar, sempre
decepcionava. Muitos anos depois o Clovis me contou como aquela
potranca mostrou suas qualidades. Ele me disse que normalmente naquela
época o normal era correr perto e atropelar na reta, mas a potranca
perdia a ação no final. Um dia, no pulo de partida, a potranca
tropeçou, quase caiu, e perdeu o contato com os outros. Nada a fazer,
senão seguir de galope apenas para terminar o percurso. A potranca
galopava ao natural e surpreendentemente aos poucos a diferença para o
pelotão diminuía. O Clovis se animou, e resolveu tentar uma atropelada
em princípio impossível. Exigida para uma atropelada na reta, a
potranca ultrapassou todas as competidoras, em uma excelente atuação,
vencendo com firmeza e autoridade. Foi assim a primeira vitória da
grande ganhadora clássica Elamiur. Daí para frente, sempre em último
sem pressa, e atropelando na reta final, Elamiur foi uma das melhores,
talvez a melhor de sua época. Entre os seus ótimos resultados está o GP
Diana, consagrando-a a melhor potranca do ano, e o Derby, ganhando dos
machos, os melhores de 3 anos da geração.
Anos depois, dois proprietários cariocas, sabendo que o expert
Gilberto Solanes ia a São Paulo, pediram para que ele fosse ao Haras
São Quirino ver um potro que eles queriam comprar, ou já haviam
comprado. Quando Gilberto chegou ao Haras, os potros estavam soltos em
um lindo piquete, e dois empregados foram lá tocar os potros para
perto, afim de, encocheirados, poderem ser examinados. Os potros vieram
correndo alegremente, formando um grupo, e apenas um deles vinha
galopando atrás do grupo. Gilberto disse ao encarregado que ele não
precisava mostrar aquele último, que não interessava. Não seria preciso
dizer que o tal “preguiçoso” era o filho de Viziane e Elamiur. A
informação de Gilberto Solanes aos dois proprietários cariocas
naturalmente foi desfavorável, Gilberto não gostou daquele potro. Eu
não sei se aqueles dois proprietários compraram aquele potro, o que eu
sei é que ele corria muito pouco, era muito ruim.
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